sábado, 19 de dezembro de 2009

TURVA




Ela morreu atropelada numa curva
Turva de dor e de álcool
Perdida de si mesma
Falava sozinha
Ela tinha uma dor do âmago
O dom da vida havia perdido
Ela tinha um amor falido
Uma paixão vulcânica
E até mesmo satânica
Então decidiu morrer

Continuou andando sem rumo
Com sumo de porra ainda quente
Maculando seu ventre
Espirrando em sua alma

Foi tão inocente
Agora está descrente
Querendo encontrar o demo
"não eu não temo"
Ela pensou
"Deitava-me com ele há tempos"

Imaginou então
Uma morte rápida
Até mesmo enfática
Jogaria-se do mais alto prédio
Pra acabar com o tédio
Dessa gente que não a vê

Encaminhou-se então
Para Rio Branco
Chorando tanto
Que mais nada podia enxergar
Foi quando o viu
Dobrando a rua
Em pose viril
E decidiu matá-lo também

Urrou com tanta força
Levitando rumo ao algoz
Mais o destino lhe foi atroz
E um carro lhe tirou a vida
Tão sofrida e obscena

Foi quando as múmias transeuntes
Amontoadas pra ver a cena
Perceberam uma lágrima
E um sorriso

Como tragicomédia
Morreu feliz a moribunda
Pois sabia que imunda
Já não estaria mais

Sonhador



Era só um sonhador
E carregava tanta dor
Que arrendara outro peito
Pra sustentar o fardo
Do sertão que não brotou
Tinha nove meninas
A mais velha Serafina
E essa logo embuxou

"Mais um pra morrer de fome
Que pelo menos seje homem
Pra se mandar lá pra cidade
E conhecer as tal verdade
Dessa vida de dotor"

Nasceu então Clementino
Com barriga d'água aflorada
Botou o pé na estrada
E conheceu o luar de salvador

Perdeu-se com a cumcubina
Maravilha de mulher
Peste que nem o Diabo
disse não ter passado
E o dele também se perdeu

Pobre peregrino
O destino lhe levou
Pro Rio de Janeiro
Num pau-de-arara fuleiro
E presepeiro se tornou

Dormindo nas ruas
comendo às vezes
E logo se fez
Tocando pandeiro
Na praça do Lido
Mas acabou falido
Caído numa rua qualquer

Lembrou da família
quis voltar pro sertão
Era tarde
Tinha volta não

Morreu sem camisa
Com um tiro certeiro
O tal do pandeiro
Ficou gemendo no asfalto

O sonhador
Teve morte pequena também
Numa reza perdida
A vida lhe foi cruel

As meninas
tão na sina
caíram no mundo
Profundo desterro

O erro
Foi sonhar
E não perceber
Que a vida é só desafio

ALMAS E PUPILAS




Sob a benção do mar
As almas se olham sem pupilas
Abraçam-se
Alheias ao destino
Sem pertencer uma à outra
Então entregam à dimensão da angustia
O próprio sentido
Enquanto semeiam
Quase desfalecidas
O amanhecer da poesia

domingo, 13 de dezembro de 2009

ASSUNTO



Ela se veste de branco
De preto
Ele apenas sorri
Ela disfarça o ímpeto
Enquanto inclina as coxas
Bem junto
Do suspiro dele
Ele infla o peito
Ela meio sem jeito
Toca bem fundo

Ele de branco
Ela de preto
Ele
Ela

Assunto

ócio gostoso